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O mito da Codependência

  • Foto do escritor: Vitor Marcelo Blazius
    Vitor Marcelo Blazius
  • 14 de abr. de 2021
  • 8 min de leitura

Atualizado: 9 de mai. de 2021

Já ouviu falar no mito da codependência?


"Você quer ajudar seu marido alcoólatra? Você quer ajudar filho alcoólatra? Como assim? Viva e deixe viver, você é impotente perante o alcoolismo de quem você ama....".


Pois é... Apesar de ser um mito muito famoso, não é baseado em ciência. E eu não estou aqui para defender que o que importa são somente dados científicos e dizer que a ciência é perfeita. Não. Ela não é perfeita, mas ela é importante.


Por vários motivos codependência não é um diagnóstico validado. Isto é, não é um diagnóstico aceito pelas entidades de diagnóstico mais importantes em saúde mental como o DSM-5 e a CID-11. Isto quer dizer que não é correto, tecnicamente, afirmar que uma pessoa possui algum problema chamado de codependência.


Codependência não existe, portanto.


Codependência não é um diagnóstico válido e existem excelentes motivos para isso, leia até o final e descubra.

"Vitor, o que é isso, você não tá sendo muito radical?" Pode ser que estou, mas eu quero reforçar claramente o quanto me incomoda pessoal e tecnicamente esse conceito e quero te mostrar fatos e informações científicas para você decidir sobre o que você quer acreditar. A minha opinião técnica, é que o termo codependência faz muito mais mal do que bem.

E se você acredita em codependência, eu te digo, eu próprio já acreditei, mas hoje não acredito mais, por conta de estudar mais a fundo, examinando criticamente o tema e as inúmeras experiências que tive com alcoolistas que não aceitavam ajuda e principalmente com centenas de familiares. E nos EUA, muitos psicólogos já estão se retratando, arrependidos de terem colaborado para propagar um conceito tão nocivo e potencialmente fatal para a sociedade. Leia mais sobre isso aqui: Josh King, PsyD https://motivationandchange.com/can-we-let-the-myth-of-codependency-go-away/


O termo codependência apareceu no fim da década de 1970, para designar os familiares, que se relacionavam com dependentes químicos, principalmente as esposas dos alcoolistas. Acreditavam que elas sofriam também de um tipo de dependência. Enquanto o esposo era dependente de álcool, a esposa seria dependente desse alcoolista, que em geral era um ser tido como "sem vergonha", "problemático" e abusivo. E que por conta dessa "doença" chamada codependência, elas se submetiam aqueles relacionamentos e reagiam de formas que atrapalhavam ambos.


O pensamento básico nessa época era que codependentes (coalcoólicos ou para-alcoólicos) eram pessoas cuja vida se tornará incontrolável como resultado de viverem num relacionamento com um alcoólico.


A definiçao de Melody Beattie, autora do livro (Codependência nunca mais): "Codependente é uma pessoa que tem deixado o comportamento de outra afetá-la, e é obcecada em controlar o comportamento dessa outra pessoa".


E eu recebo diversas mensagens indignadas com essa definição, como por exemplo: "Vitor, você já imaginou uma mãe vendo o filho morrer, não saber o que fazer, não se afetar e ficar obcecada por controlar o comportamento desse filho?"


E eu entendo essa indignação. Faz sentido para mim se afetar com o alcoolismo de quem você ama.


Mas além disso, a lógica da codependência costuma levar a duas recomendações que não ajudam a quebrar o ciclo do alcoolismo:

  • Forçar o alcoolista a aceitar tratamento OU Desligamento emocional.

Forçar o alcoolista a aceitar tratamento através de uma intervenção

  • Nos seriados americanos tem todo um show por trás disso. Não é que não sirva pra ninguém, mas as pesquisas mostram resultados positivos de apenas uma minoria de alcoolistas para esse tipo de abordagem. E que o índice de recaídas é muito alto.

  • E no Brasil algumas famílias acabam se engajando nesse propósito de confrontar o familiar, fazer ele aceitar que tem uma doença. Dar um choque de realidade. Mesmo com todas as pesquisas mostrando o risco enorme que isso trás.

  • Vide: Engaging the Unmotivated in Treatment for Alcohol Problems: A Comparison of Three Strategies for Intervention Through Family Members. William R. Miller, Robert J. Meyers, and J. Scott Tonigan. University of New Mexico



Buscar um grupo de ajuda mútua para se “desligar emocionalmente” até que seu ente querido atinja o fundo do poço ou decida parar de beber por conta própria ( que é o que eu chamo de esperar um milagre ou uma tragédia).

  • Desligamento seria: Se desligar, de uma pessoa ou problema com amor. Desligar-se mentalmente, emocionalmente e às vezes fisicamente de um envolvimento doloroso com a vida e as responsabilidades de outra pessoa, com problemas que, de acordo com essa definição, não seria possível resolver.

    • Desligamento é baseado na premissa de que cada pessoa é responsável por si mesma, que não seria saudável tentar resolver problemas que são decorrentes do comportamento do alcoolista e que se preocupar com isso não adiantaria nada.

    • O desligamento emocional que é pregado por alguns grupos leigos de ajuda-mútua, não é eficaz para que o alcoolista pare de beber ou busque ajuda. As pesquisas mostram que em torno de 10% dos alcoolistas buscam tratamento quando seus familiares participam desses grupos. (Vide: Engaging the Unmotivated in Treatment for Alcohol Problems: A Comparison of Three Strategies for Intervention Through Family Members. William R. Miller, Robert J. Meyers, and J. Scott Tonigan. University of New Mexico)


Porque a lógica da codepedência atrapalha?

  • Começando porque a maioria dos grupos de ajuda mútua não são nem voltados a ensinar o familiar como fazer o alcoolista parar de beber diretamente. Então não seria tão interessante para quem procura fazer quem ama parar de beber.

  • Conceitua comportamentos interpessoais esperados e normais como se afetar pelo comportamento de alguém que você ama como “dependência”.

  • Chama de doença comportamentos interpessoais naturais, generaliza atitudes dos familiares baseados em uma doença que não é aceita pelas principais associações sérias e bem fundamentadas de saúde mental mundial como o DSM-5 e a CID-11.

  • Cria uma FOBIA DE AJUDAR. Até porque são ensinados que não são capazes de ajudar. E inserem recomendações inespecíficas sobre evitar “depender” de alguém.

    • Não propõe como lidar com o alcoolista, entende que essas tentativas de ajuda são sintomas.

    • Estigma entre os pares. “Você ainda está com aquele seu marido? Porque você não se valoriza? Você não está aceitando sua codependência!”

Só que o ser humano é complexo! As relações são complexas.


A avaliação de se vale ou não a pena ajudar não pode ser generalizada, precisamos respeitar a decisão de quem está tentando ajudar. E apresentar opções.


Você não é o problema, você não tem obrigação de fazer isso, mas você pode ser parte da solução, você pode fazer quem você ama parar de beber. Conforme vou mostrar mais adiante neste texto.


E por trazer toda essa desinformação, a lógica da codependência acaba deixando de educar as pessoas sobre causas já determinadas para aspectos do comportamento dito erroneamente codependente como:

  • Transtorno de Ansiedade Generalizada.

  • Transtorno Depressivo Maior.

  • Transtorno do Estresse Pós Traumático.

  • Transtornos de personalidade como o Transtorno de Personalidade Dependente.

Todas essas, sim são doenças, para as quais existem tratamentos específicos e eficazes. Nenhuma dessas tem como indicação o "desligamento emocional".


A ideia de codependencia aumenta o estigma!


A expectativa do estigma faz com que as famílias resistam a tratamentos. Resistam a aceitar que podem receber ajudar. E o estigma aumenta a vergonha e o isolamento social.


Pesquisas mostram que o estigma é uma barreira maior por exemplo do que falta de recursos financeiros.


(Vide: The Stigma of Addiction. An Essential Guide, Chapter 3. “Bad Parents,” “Codependents,” and Other Stigmatizing Myths About Substance Use Disorder in the Family. Carrie Wilkens and Jeffrey Foote)


O estigma dá motivos compreensíveis para:

“O que o pessoal da escola vai pensar de mim e do meu filho?”

“O que o pessoal do trabalho vai pensar de mim e do meu marido?”



O que a ciência diz então?

Comportamentos chamados de codependentes são respostas normais, num relacionamento com alguém que sofre de uma doença mental séria como o alcoolismo e ir embora simplesmente, não garante que isso vá sumir e parar de te afetar.


É normal tentar ser prestativo quando alguém que você ama está sendo auto-destrutivo.

É normal querer proteger as pessoas que amamos de consequências negativas.

Ainda mais quando são consequências tão graves quanto a perda da saúde, acidentes, morte.


É normal ficar ansioso e desconfiado em relação as pessoas quando se é estigmatizado por simplesmente se relacionar com um alcoolista.


É normal ter esperança mesmo quando parece não ter motivos para isso.


NÃO SÃO COMPORTAMENTOS DOENTES.


Eu fiz um vídeo explicando mais sobre isso:




O que fazer então?


O que ciência mostra?

  • Alcoolismo é uma doença multifatorial e que a motivação para parar de beber é altamente influenciada pela forma com que se relaciona com o alcoolista tanto para ele beber quanto para ele parar de beber.

  • Os familiares não tem que se afastar.

  • Os familiares podem sim ajudar sim e sem deixar de cuidar de si.


E a ciência demonstra que treinamentos que os familiares podem fazer para aprender como lidar com o Alcoolista são muito eficazes. Isto, é, treinamentos que um único familiar faz, sem o alcoolista, como o CRAFT, que se baseia em técnicas consagradas como a Terapia Cognitivo Comportamental e a Entrevista Motivacional.


Você pode ver estudos sobre o CRAFT (trabalhando exclusivamente com o familiar) que mostram taxas de entrada em tratamento de 64 a 74%, nos alcoolistas que não queriam parar de beber. Todos os participantes (familiares exclusivamente) referiram melhora na felicidade, coesão familiar e reduções em sentimentos desagradáveis como ansiedade, tristeza e raiva. (Vide: Engaging the Unmotivated in Treatment for Alcohol Problems: A Comparison of Three Strategies for Intervention Through Family Members. William R. Miller, Robert J. Meyers, and J. Scott Tonigan. University of New Mexico)


Então a família pode usar estratégias baseadas em ciência, eficazes e que servem para a família lidar com o alcoolista mesmo que ele não queira parar de beber e tem como objetivos:

  • Fazer o alcoolista querer parar de beber.

  • Engajar o alcoolista em tratamento, quando necessário,

  • Aumentar os auto-cuidados do familiar.

Isto, é, criar condições através do relacionamento para fazer alcoolista parar de beber de forma sustentável a longo prazo.


E a minha experiência como médico psiquiatra e psicoterapeuta, trabalhando com centenas de familiares de alcoolistas, me mostra que quando um familiar aprende um método para fazer quem ama parar de beber, isso é capaz de transformar uma família e fazer outros membros da família realmente pararem de beber.


Como foi o caso da Betânia, que me contou que fez o esposo e a filha pararem de beber. Sendo que isso aconteceu enquanto a filha morava em outro estado. Clique no vídeo abaixo e escute ela contando a própria história.



Como isso é possível?

Criando um ambiente em que a mudança é mais atraente do que o alcoolismo.

Sem usar o DESLIGAMENTO ou a CONFRONTAÇÃO. E sem ficar em segundo plano, deixando as próprias necessidades de lado, sem se anular, sem brigar, sem discutir.


Usando técnicas e estratégias como:

Ambiente que convide para a mudança, ao invés de exigi-la. Através do desenvolvimento de habilidades do familiar, de comportamento e comunicação.

A chave é a o desenvolvimento das habilidades necessárias para o familiar fazer quem ama parar de beber e a ligação emocional real ao invés de desligamento.

E ao longo dos anos ensinando centenas de familiares sobre como fazer quem amam parar de beber, eu desenvolvi um modelo próprio de aplicar um treinamento de habilidades na modalidade de Programa Online, com aulas gravadas e mentorias, exclusivamente para o familiar do alcoolista para fazer ele parar de beber. Que é o Curso que Betânia fez, conforme ela própria conta. Com conhecimentos baseados em ciência que funcionam, que eu chamo de método ACA (Amor Contra Alcoolismo). E ele tem como fundamentação CRAFT, Entrevista Motivacional, Terapia Comportamental, Terapia Cognitiva e a minha experiência profissional.


E se você quiser entender melhor como eu cheguei nisso, como eu fui ao longo do tempo montando esse método, você pode assistir esse vídeo em que eu conto a minha história.


E se quiser saber mais sobre o mito da codependência, leia mais em:




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Dr. Vitor Blazius

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